terça-feira, 20 de julho de 2010

"Sufoco" Série Meninos do Crack!

“Você tem idéia de como é ser acordado, com a sua porta sendo arrombada a coices, às quatro horas da madrugada?”

Não, tu não tens idéia, porque você não é um usuário de crack.Ele arrombou minha porta, colocou um revólver na minha cabeça e pediu a grana. Quatro horas da manhã. Ele queria que eu pagasse a dívida de cinqüenta reais, enquanto os outros caras o esperavam, em um carro, estacionado em frente a minha casa. A sensação que eu tive,foi de ver a cara da morte e voltar à vida, mas isso não acontece só comigo, acontece, também, com todos os que usam crack. Esse é o resultado de quando se gasta bastante e continua gastando. O dinheiro acaba e se fica devendo para os traficantes. Muitos usuários morrem assim. Basta ficar devendo e não pagar. Naquela noite, eu não tinha o dinheiro, mas me deram um prazo de até as dez horas da manhã. O que eu fiz? Fui atrás da grana, meu irmão, porque não ia ter uma segunda chance. Eles iam me apagar.Assim que funciona, por isso que eu defino o crack em duas palavras: lixo e luxo. Luxo, porque você se dá o direito de comprar a droga, um prazer ilusório, e lixo, porque é a forma mais cruel que um ser humano pode atingir. Esse crack, que é um lixo, acaba com o que você tem. Vai chegar o dia em que tua família vai cansar de lutar, de te internar e você recair. Ela vai te abandonar. Teus amigos não serão mais os mesmos de antes. Amigos de usuários não são amigos de verdade,porque, aqui é cada um por si, ou melhor, pela pedra. O pior de tudo é que acaba com sua virtude, de ser um homem decente da sociedade.Todos vão te olhar diferente, o preconceito é muito grande. As pessoas acreditam que não temos mais conserto, ou seja, nada vai resolver a vida de um viciado em pedras.Em minha opinião, têm muitas coisas que devem ser feitas, para que mude a vida de um usuário de crack: o apoio psicológico da família,de profissional e Deus, que está acima de tudo isso. É preciso ter fé e força de vontade. Não sei bem se cada um escolhe o caminho que quer seguir. A maconha perdeu a graça, acabou o encanto do pó e, um dia,chega o crack e você resolve experimentar, como fez com todas as outras. A partir do crack, só lamento, você já não escolhe mais nada. Seu livre arbítrio de parar já foi, você não consegue mais parar.Entre o continuar e o parar, têm muitos desafios. Quem não quer largar? A sociedade acha que é vadiagem, mas não é bem assim. Tristes e amaldiçoados somos nós, os drogados, que andamos atrás da droga o tempo todo. Não conseguimos nos controlar e acaba ocorrendo o que houve comigo. Ninguém quer isso, mas as coisas fogem do teu controle.O crack não é como as demais drogas, que você consegue ao menos se controlar. Ele te domina, te arrasta, faz você fazer coisas que nem em sonho faria. Esse é o mecanismo dele, acaba com qualquer ser humano que entre nessa.Resumindo, estou vivo. Pedi a grana para minha avó e paguei a dívida. Falei a verdade, e deu. Não fico mais devendo. O susto que passei naquela noite foi só mais uma história para relatar, porque meu destino não me pertence mais. Aliás, nem sei a quem pertence.

D. I. tem dezenove anos e é garçom. Freqüentou a escola até 4ª série do ensino fundamental. Fuma crack há sete anos e passou por doze internações de reabilitação.

Material extraído do Livro Meninos do Crack da Escritora Ana Paula Nonnenmacher

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