sábado, 24 de julho de 2010

“As conseqüências do crack”.Série Meninos do Crack!

“O crack é o diabo.”


Jurei que só ia dar aquele pega. Sempre se jura, é sempre assim.Prometo que é só para aliviar minha tensão. É como se fosse a fruta do pecado. Depois que deu a primeira mordida, não se controla. Quem usa crack, sabe que nunca se fica só em um pega. Depois que se fuma uma, seu corpo e sua mente pedem outra. Assim vai, uma atrás da outra, sem deixar tempo para racionar. Não tem mais fim. Isso aconteceu várias vezes comigo. É por isso que se gasta a grana que tem, fica loucão,vende as roupas que está vestindo e, depois, só resta roubar.Naquela noite, fumei a grana que eu tinha, vendi meu tênis, fui para casa, peguei a televisão que a minha avó ainda não tinha pagado,coloquei nas costas e vendi. Fumei a TV, o tênis e a fissura ainda persistia. 49 Quando se chega nesse ponto, nada mais importa. Se fica cego, só se pensa em fumar. Vale tudo para obter a droga, nem que isso faça com que se corra riscos de vida. Muitas vezes, até pensei e imaginei que a polícia me pegaria. O crack faz com que se tenham alucinações horríveis,mas, mesmo assim, eu fui. Sempre se vai...Eu fui roubar o som de um Uno, para fumar, mas alguém escutou  barulho e saiu de casa. Senti um medo terrível. Pensava no que iria fazer. Então, me escondi embaixo do carro. Tive que passar a noite toda ali, até que eu percebesse que não corria mais risco algum. Quando amanheceu, sai todo sujo, esfolado e machucado e voltei para casa.Essa é a rotina de um viciado em pedras. Quando tu dá um pega,tu quer dar outro pega e, assim, cai a casa. É sempre assim, com todosnós. Pergunte a qualquer pessoa que fuma se ela consegue ficar só num pega. Jamais. A rotina de um viciado é essa.Outro dia, vi um vídeo game dando sopa e roubei. Só que escolhi o lugar errado, o dono do Play era um traficante. Na loucura de querer usar, não se pensa, foge do controle. Basta ter uma oportunidade de poder fumar e já era. Na hora, não vi nada, mas me viram. Sai com o Play na mão, oferecendo para os vizinhos. Não demorou muito, vendi por cinqüenta reais, mas o fim dessa história não foi legal. Os traficantes sabiam que tinha sido eu quem havia roubado, então, já era. Me surraram tanto, que voltei me arrastando para casa. Estava chovendo tão forte,que perdi até os chinelos.Histórias, como essas, fazem parte da vida de um usuário de crack,porque, na hora da fissura, você não raciocina. Fui e voltei dessa rotina várias vezes. Me internava e parava, mas quando voltava para as ruas,tudo começava novamente. Eu trabalhava, comprava roupas, calçados e me recuperava, mas, quando a vontade vinha, lá ia eu vender tudo o que tinha adquirido. Se mergulha no inferno. É um abismo que parecenão ter mais fim. Sofro com tudo isso. Sei que a sociedade pensa que quem usa pedra é por vadiagem, que não querem parar, mas isso não é verdade. Qual é o ser humano que gostaria de ser escravo, de um vício,assim? Que leva tudo que tu tem? Não há quem possa gostar de viver dessa forma.Eu quero parar. Já parei várias vezes, mas não consigo resistir por muito tempo. É complicado. O mundo do crack tem a porta de entrada muito fácil, porque é uma droga barata, mas para sair dele é complicado.Inúmeras tentativas que não dão em nada ou, apenas, têm um tempo de validade. É assim, para mim.

Anderson tem dezenove anos. Possui o primeiro grau completo. Fuma crack há quatro anos e passou por quatro internações de reabilitação.

Material extraído do Livro Meninos do Crack da Escritora Ana Paula Nonnenmacher

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