terça-feira, 15 de junho de 2010

"O atropelado" Série Meninos do Crack!

“Crack é uma droga sem sentido: fuma, viaja, se apavora, desconfia de tudo e de todos e não se sacia nunca.”
Tantas lembranças que envolvem uma só coisa: a droga, o crack.O pior não são as lembranças, mas as vontades que perturbam a mente.O que pode passar pela cabeça de uma pessoa viciada em pedras?
Pensamentos bons são raros, porque sei que a minha realidade não é nada feliz...Pensei e repensei, não uma única vez, em me matar, dar um fim em tudo isso. Até peguei um fio de arame e coloquei no pescoço, mas faltou coragem. Eu queria que tudo isso acabasse. Não é vida para ninguém estar sempre em busca de pedras e mais pedras para fumar.E falando em busca, como já me arrisquei por causa do vício... Escravo
da droga, desde 2002, não é mole.A maneira como eu vivo, resumo em planos para me drogar, que às vezes da certo, às vezes não. Falam aí que o crack destrói os neurônios,mas quer saber: não acredito nisso aí não, se fosse assim já não tinha muitos viciados por aí. Simplesmente a idéia surgiu: eu iria me jogar em baixo de um carro, mas não com o propósito de morrer. Estava doido de tanta vontade.Pensei na tática: assim que o carro viesse, em alta velocidade, eu me atravessaria na frente dele. Fiz isso.Eu pensei: “ele vai parar e vou falar que não chamo a polícia, nem vou para o hospital, se ele me der uma grana”. Era esse meu plano, mas o motorista não parou. Saiu rapidamente do local e me deixou ali sangrando, quebrado no meio da rua.Meu camarada me socorreu,chamou uma ambulância e me levaram ao hospital, onde recebi atendimento.Imagina se eu ia contar que me joguei em frente ao carro... Claro que não! O que diria? Que tentei suicídio? Que minha intenção era ganhar a grana e ir fumar? Fiquei internado dez dias. As pessoas que dividiam o quarto comigo nem imaginavam a história de verdade. Como foi ruim ficar no hospital. Além de sentir muitas dores, ainda tinha que suportar a maldita vontade de fumar. Quando alguém falava que ia fumar um cigarro lá fora, eu saia de mim: imaginava pedra, fumar pedra. Sei que meu plano falhou. Pensei até em falar no hospital o meu problema,mas me senti envergonhado. As pessoas estavam internadas por estarem doentes e eu, porque queria dar um jeito de fumar pedra.Esse vício é do demônio. Se faz loucuras, não se pensa em nada,nem na própria vida. O negócio é fumar e nada mais, mas vou levando.Sei que isso não acaba bem, mas o que fazer? Não tenho grana para me internar, nem conheço ninguém importante que poderia me ajudar.A minha família não sabe. O que vou dizer a eles? Com certeza,desconfiam, mas não quero machucar eles com isso. Prefiro ficar assim.Tenho meus parceiros, um trampo aqui, outro ali. Ajudo um pouco em casa e o resto: meu fumo. Sempre quis ser policial, mas um policial justo, que não perdesse tempo em espancar usuários, mas em exterminar os traficantes.
Sandro tem vinte e oito anos. Freqüentou a escola até a 4ª série do ensino fundamental. Fuma crack há sete anos e não passou por internações de reabilitação.
Material extraído do Livro Meninos do Crack da Escritora Ana Paula Nonnenmacher

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