quarta-feira, 7 de julho de 2010

Liberdade, liberdade! Série Meninos do Crack!

“Crack: a praga do fim dos dias, que não foi prevista pelo Messias.”

Quem sou eu? Um garoto de dezoito anos, bem instruído,inteligente, bonito e que se envolveu com drogas. Quem diria. Eu, um menino que tive uma educação legal, com liberdade para fazer o que desejasse. Brinquedos, amigos e o mundo que despertava curiosidades em qualquer adolescente. O mundo, lugar que oferece tantos caminhos,aonde as oportunidades vão surgindo conforme se vai percorrendo as estradas da vida. Assim aconteceu, eu percorri o caminho e escolhi a escolha mais errada que alguém pode escolher.
Assim, simplesmente, de curioso, eu caí nessa vida que hoje estou. Éramos em um grupo de amigos normal. Sempre nos reuníamos,como quaisquer jovens da nossa idade. Bebíamos, íamos a festas,ficávamos com garotas e fumávamos maconha. Não sempre, mas usávamos. Minha mãe nunca perguntava muito sobre minhas amizades.Ela sempre dizia que eu tinha a minha liberdade, escolheria meus caminhos. Tamanha liberdade essa, aliada com minha curiosidade, que fez com que conhecesse as pedras.Era um dia típico de inverno, fazia muito frio e ventava muito.Nos reunimos, eu e meus amigos, para, como sempre,conversarmos e fumar um breck. Tínhamos dinheiro e foi quando surgiu a idéia de um deles: “vamos comprar pedra?”. Nos olhamos, não analisamos nada. Eu nunca tinha visto pedra na minha vida, não sabia nem como que se usava, mas a curiosidade, a vontade de provar o proibido, fez com que quiséssemos provar novas sensações, saber qual era dessa droga que muitos usavam. Resolvemos ir fumar lá nos trilhos, embaixo do viaduto,e aí, tudo começou.Saia de casa, pedia dinheiro, sem dar muitas satisfações e caminhava para a perdição. Minha mãe não sabia de nada. Sei lá, nossa relação era turbulenta. Meus pais eram divorciados e tinha cinco irmãos
que, também, precisavam de atenção. Assim eu ia, pela vida.Porém, depois de alguns anos, um dia cheguei em casa e o vizinho me disse que minha mãe tinha ido embora para Sananduva.Assim, do nada. Me senti abandonado. O abandono também é um dos motivos que fazem com que a pessoa que fuma pedra se afunde cada vez mais. Eu só tinha dezessete anos quando ela partiu. Perambulei e acabei indo morar com uma família de amigos, que me acolheram,mas não pude me manter isento das drogas. Tinha apoio deles, mas não resistia e recaia. Assim foi por um bom período. Eu freqüentava a Igreja com eles, me segurava, mas muitas vezes não resistia e voltava a usar a maldita droga. Até que, um dia, eles não aceitaram mais e me ordenaramque eu arrumasse outro local para morar.Nessa época, eu trabalhava em uma estofaria. Sem lugar para morar, um colega de trabalho me ofereceu a casa dele. Eu fui, continuava no vicio, mas ele não sabia. Tive melhoras e pioras. Ficava limpo um tempo, mas depois batia a fissura e eu ia. Assim foram se passando os dias. Na noite em que eu iria completar meus dezoito anos, combinei com meus amigos de sairmos, fazer uma festa, mas sem pedras. Seria uma diversão saudável, mas não foi. Eu estava os  esperando, mas eles demoraram. Começou a me bater a maldita vontade de fumar e, então,peguei meu dinheiro e fui. Fumei todo meu salário e a vontade não passava. Sem pensar duas vezes, aliás, não se pensa quando se está fissurado, vendi tudo o que tinha na casa do meu colega de trabalho e,mais uma vez, virei a noite fumando.No outro dia, fui até a casa do meu pai e disse que tinha penhorado as coisas do meu amigo por trezentos reais. Viciados em crack mentem e convencem. Meu pai, alcoólatra, me deu o dinheiro, achando que eu iria recuperar os objetos do meu amigo, mas isso não ocorreu. O que eu queria era fumar. Passei, mais um dia todo, fumando pedra.Não sei como, mas tudo se tornou assim: pedras e mais pedras.
Me senti muito abandonado quando meus pais se separaram. Eu era jogado de um lado para outro. Queria fugir, esquecer os problemas, não pensar. Então, me refugiava no vicio. Sei lá, parece que sempre tive que
fazer tudo, na minha vida, sozinho. Sempre tudo por mim. Queria apoio,diálogo, família e regras. Eu era dono de mim, muito antes do que eu queria ser. Penso muito em sair. Acho que ainda dá tempo, mas os dias
vão passando e eu continuo sem casa, sem família, roubando e fumando.

Lauro tem dezoito anos e é estofador. Freqüentou a escola até a 7ªsérie do ensino fundamental. Fuma crack há seis anos e passou por uma internação de reabilitação.concordássemos e fomos em busca do conhecido, do novo. Talvez.

Material extraído do Livro Meninos do Crack da Escritora Ana Paula Nonnenmacher


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